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Sacrifício

  • Foto do escritor: Bibiane Ferreira
    Bibiane Ferreira
  • 6 de fev.
  • 2 min de leitura


Digo a ela que está morrendo, que não há mais o que fazer, ainda assim, ela não morre. Um suspiro fundo, uma lágrima que escorre, um olhar de angústia e medo. Não sei se de ficar ou de partir. Não sei o que quer que eu faça e não pode me dizer. Peço perdão, peço que relaxe, digo que não é culpa sua. Sempre foi uma ótima cachorra.


Sempre achei que a morte fosse fácil, um momento de desconforto e outro de escuridão. Um último fôlego antes de mergulhar. Sempre pensei nela quase como um refúgio, uma saída alternativa para a vida, esta sim um tormento.

Desde muito nova, decidi que a causa da minha morte será suicídio. Por isso tenho um certo medo de acidentes, por saírem do planejado, mas ainda que fosse o caso, seria o fim e o fim é bom, ainda que pudesse ser doloroso.

Na minha concepção, apenas minha própria morte seria passível de escolha, já que desde muito cedo percebi que a morte alheia era inatingível pela minha vontade, tanto para que acontecesse quanto para que não acontecesse, pelo menos ainda não.

Nunca tive o poder que gostaria de ter sobre a finitude das coisas, então acreditei que essa fosse a regra: apenas minha morte era minha.

A sociedade, no entanto, parece discordar. Fazem questão de comer carne como se não viesse de mortos, executam seus animais assim que se tornam inconvenientes e têm a audácia de dizer que foi por altruísmo. Como se não aguentar cuidar de um animal doente fosse algo louvável. E se eu quiser, simplesmente esperar o tempo das coisas? E se eu não quiser decidir a hora da morte de quem amo? Aí é egoísmo.

Nunca pensei que a morte pudesse ser tão cruel quanto a vida, que pudesse demorar tanto a chegar, como se estivesse cansada de ceifar ou que gostasse que esperem por ela. Satisfaço seus caprichos, espero, anseio, mas a vida insiste sem nenhuma razão.

É irônico como agem como se o fim não fosse arbitrário e tentam colocar sentido onde não existe. Criam religiões de vida eterna enquanto o corpo apodrece; dizem que uma morte inesperada foi para poupar sofrimento futuro, como se o morto em questão tivesse escolha ou se alguém de fato pudesse prever tal futuro. Consolações tolas de quem no fundo está aliviado por se livrar de um possível fardo, o fardo do corpo.

Se o critério é poupar sofrimento, não há razão para proibir a eutanásia em pessoas moribundas ou julgar quem comete suicídio, não há motivo sequer para condenar o aborto; não seria, afinal, a não existência o maior ato de misericórdia?

Quem decide qual sofrimento pode ser poupado e qual deve ser suportado?  A distinção é por causa da espécie, consideram os outros animais realmente tão inferiores assim, ou é simplesmente hipocrisia?

Para mim, que não acredito que humanos sejam tudo isso que acham que são, parece hipocrisia. Ou então, melhor ainda: será que lá no fundo acreditamos (ou sabemos), no fim das contas, que, mais do que qualquer outra espécie, a humanidade merece sofrer?

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