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A arte de escrever

  • Foto do escritor: Bibiane Ferreira
    Bibiane Ferreira
  • 28 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

Fernanda Montenegro, em uma entrevista, fala sobre o ofício de ser ator: desista, se você não conseguir viver sem isso, então continue.

(Link no final do post)

Acho que essa afirmação diz muito sobre a arte de escrever também. Um escritor de verdade jamais escreve por obrigação, escreve porque precisa acalmar os anseios da alma ou porque não consegue gritar o que precisa ser dito.

Escrever é traçar uma rota de fuga e escape. São palavras que fazem cócegas no cérebro por horas e horas, até que nos vençam e sejam derramadas no papel, com a doce ilusão de que serão perpetuamente livres.

Meu ideal seria escrever uma história de terror tão assustadora que impregnasse na mente do leitor para atormentá-lo antes de dormir, que o fizesse não conseguir suportar o escuro e temer a própria sombra. Que crianças, quando ouvissem, chorassem em desespero.

Meu ideal seria escrever um romance histórico e poderoso que fizesse o jovem viajar no tempo, que concedesse esperança aos desiludidos e carregasse de sonho e coragem os corações vacilantes.

Meu ideal seria escrever um conto tão surpreendente e arrebatador que a velha senhora, em seu leito de morte, lembrasse daquela história oculta, não resolvida e envolvente, ou que o menino rebelde, ao se deparar com ela, se transformasse em um leitor assíduo.

Meu ideal seria escrever algo tão poético que tornasse uma pessoa qualquer em um filósofo, e que todos questionassem sobre o sentido da vida ou o real significado dos sentimentos.

Meu ideal seria escrever qualquer coisa. E, por isso, com essa ânsia violenta de despejar no papel minha alma, resolvi fazer Escrita Criativa, como se, magicamente, a inspiração divina dos escritores recaísse sobre mim e livrasse-me dessa solidão.

Mas, todo o terror guardei para mim. Fechado a sete chaves, capaz de assustar, atormentar e apavorar apenas os meus dias, pois o medo constante é tão grande e cruel que jamais poderia repassar na mesma medida à alguém.

Também o romance não posso escrever, porque não sei amar. Jamais poderia fazer alguém acreditar que o amor é para todos, porque não é. Para alguns é inalcançável. Mas ninguém quer ler um fracassado falando sobre seu fracasso.

O surpreendente também não me cabe, pois não há surpresa maior que as surpresas da vida. Também não há nada mais trágico ou incógnito que aquela velha senhora já não tenha visto ou que o menino não vá descobrir.

E quanto à poesia... Os poetas devem amar o mundo ou odiá-lo, e não me encaixo em nada disso. Que injusto seria fazer com que os outros questionassem minhas próprias dúvidas, ou que dissertassem sobre o que não sou capaz de dissertar. Portanto a filosofia também não cabe a mim.

Meu ideal seria gostar do que escrevo. Mas eu não sou uma escritora. Não sou nada, e é exatamente cheia de nadas que escrevo.

Escrever é um ato próprio dos incapacitados.

Somos incapazes de protagonizarmos nossas vidas, encontrarmos um lugar no mundo, iniciarmos uma revolução ou realizarmos nossos desejos impronunciáveis em voz alta. Escrevemos porque não sabemos agir, porque se não escrevemos, tornamo-nos um perigo para a sociedade e para nós mesmos: com uma fúria tão indomável que seríamos incapazes de controlá-la. Entraríamos em colapso.

Escrevemos o que nunca tivemos coragem de dizer. Escrevemos ações que não somos capazes de realizar, mas que almejamos a glória da realização. Escrevemos ideais e sonhos ocultos. Escrevemos em um desespero tão profundo em sermos compreendidos que esperamos alguém que vá realizar o que nunca tiramos do papel.

Queremos causar emoções, queremos que nossa escrita fique na mente das pessoas de forma tão intrínseca que nós, autores, jamais conseguiríamos alcançar.

Buscamos a profundidade que nossas vidas rasas são incapazes de proporcionar.




1 Comment


jvltoffoli
Mar 21, 2023

Que texto sensacional, olha, extremamente instigante e primorosamente bem escrito, conseguiu dizer tudo sobre a sensação e o motivo de escrever, meus parabéns garota e as mais belas fortunas brindem as tuas letras Utópicas de lunas.

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