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3x4

  • Foto do escritor: Bibiane Ferreira
    Bibiane Ferreira
  • 11 de ago.
  • 3 min de leitura

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Por várias vezes, acordei sem ar porque sonhei que me afogava no mar. As ondas me levam para o fundo e me encobrem. Para evitar o desespero, aceito o destino e não tento subir. Devagar, vou afundando e respirando bem fundo. Descubro, afinal de contas, que sempre soube respirar melhor lá embaixo. O escuro, a imensidão, o frio e o silêncio me envolvem, as ondas e o perigo ficam reservados à superfície. Para quem se deixa afundar, há paz. Meu inconsciente ainda tenta me causar desconforto com o mesmo cenário, mas segue falhando.

Sou bastante literal e, quando criança, era ainda mais. Ingênua a ponto de ser burra. Eu tentava mostrar afeto de formas singelas e, uma delas, era dar partes de mim para quem eu gostava. Dentes de leite, mechas do cabelo, fotos 3x4... Eu sabia que, enquanto meus pedaços estivessem guardados por essas pessoas escolhidas, estaria segura, porque eu importava. E isso não significava que eu queria ser a coisa mais importante, mas simplesmente o contrário do que eu mesma pensava: que eu era insignificante.

Atribuí minha própria importância à existência de quem eu sabia que se importava comigo. Quando fui crescendo e percebendo que não conseguia expressar do jeito que gostaria o quanto eu me importava com quem eu amava, comecei a tentar o oposto; adotei o estilo emocionalmente blasé dos adolescentes que fingem que não se importam com nada nem ninguém. Fracassei com essa técnica também. Ainda nessa fase, li no meu livro favorito que “amar é destruir e ser amado é ser destruído”, literal que sou, peguei a frase como verdade; ainda mais porque ela realmente parecia ser muito verdade. Entendi que quando as pessoas importam, nossa vida é destruída quando elas morrem. Então, quando eu amava, eu sofria, porque, além da perda, eu importava cada vez menos.

Foi apenas no último final de semana, quando fui pega de total surpresa com a presença de minha melhor amiga da segunda série na formatura da minha melhor amiga ao longo da vida que minhas percepções de vida mudaram drasticamente.

Eu sempre gostei de formaturas, contato que não fossem minhas, pois sinto que não me adapto bem a essas convenções formais e clássicas, e também não gosto de ser o centro das atenções vestindo minha própria pele, sem me esconder atrás de personagens.

Nos vãos das conversas, descobri que ela ainda guarda uma foto 3x4 minha, um pedaço meu, cuidadosamente distribuído, que eu poderia jurar que fora transformado em lixo, deliberadamente ou não. Mas aquela parte de mim ainda importava, por mais que não fosse essencial.

Quando penso em morrer, afundar no mar me tranquiliza. É como fugir do turbilhão de ondas dos pensamentos negativos que me sufocam. É aceitar. Mas seria possível entrar na água sem lutar ou afundar? É possível ser importante mesmo que não precisem de mim? Fecho os olhos e imagino novamente a água. Não o mar, mas um rio calmo, cristalino e delimitado, onde eu possa flutuar.

No mesmo livro mencionado anteriormente, a protagonista discorda veemente da frase em questão, sábia, incrível e extraordinária adolescente que é, assim como todas as adolescentes literárias (e inexistentes). Nada parecida com as adolescentes ficcionais, mais velha, nem um pouco sensacional, pelo menos existo. Mesmo cheia de contrariedades, começo a chegar a conclusões semelhantes: talvez amar seja construir pequenos detalhes que vão sim se perder, mas que antes vão importar.

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