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A Nova Hollywood e O Exorcista

  • Foto do escritor: Bibiane Ferreira
    Bibiane Ferreira
  • 9 de fev. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 22 de mai. de 2023


A Nova Hollywood foi um período de profundas transformações do cinema americano e mundial, que teve início em 1967 (com o filme Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas) e fim em 1980 (com o filme O Portal do Paraíso), sendo que seu ápice foi em 1972. Esses treze anos de inovações estilísticas e revelações de novos atores, diretores, roteiristas, produtoras e estúdios (que foram responsáveis pela produção de mais de 4 mil obras, em torno de 230 filmes por ano) acabaram salvando Hollywood da forte crise econômica em que estava inserida.

Essa Hollywood pós-clássica, que teve inspiração na Nouvelle Vague francesa e no cinema europeu pós-guerra, dialogava com a realidade do país, sendo mais engajada politicamente, com um caráter autoral, contestador e não conformista. Foi uma época de extrema liberdade criativa em que os diretores passaram a possuir mais importância que os produtores, e em que a censura foi derrubada, sendo instaurado um sistema de classificação etária, vigente até hoje.

Os filmes desse período retratavam personagens ambíguos moralmente, contrastando com o papel do herói, trazendo à tona um choque de paradigmas. Também eram abordados tabus, temas polêmicos, controversos e delicados como sexo, drogas, violência, guerra, um governo desmoralizado, e o horror das famílias tradicionais em face da nova conjuntura social, por exemplo. Essa contracultura, de “ilusões perdidas” e finais não felizes, dialogava intimamente com a juventude dos anos 70 que dizia-se não compreendida pelos pais e pela sociedade.

Não somente pelos ideais, mas também pelo lado técnico, iniciou-se uma nova era do cinema. Os cortes passaram a serem mais rápidos. As grandes salas de cinema foram substituídas por várias salas menores, com tela maior e som melhor, em que poderiam ser reproduzidos mais filmes que nas antigas salas (um sistema multiplex). Estratégias de marketing surgiram, por exemplo, a propaganda dos filmes via televisão. Iniciou-se um novo estilo de blockbuster com Tubarão, em 1975. E também um grande avanço no âmbito dos efeitos especiais com Star Wars, em 1977.

A Nova Hollywood foi um período de extrema importância para a indústria de terror, pois foram apresentados títulos inesquecíveis como Carrie – A Estranha, O iluminado, O Bebê de Rosemary, Sob o Domínio do Medo, A Noite dos Mortos-Vivos, Laranja Mecânica, e O Exorcista, que fazem parte de uma longa e assustadora lista.

Analisando mais a fundo O Exorcista, é possível perceber traços nítidos da Nova Hollywood. Esse clássico do terror, lançado pela Warner Bros. Pictures (uma das novas produtoras lançadas durante o período) no dia 26 de dezembro de 1973 nos Estados Unidos, faturou cerca de U$ 441.306.145,00 em todo o mundo, atingindo uma marca histórica de bilheteria, sendo um dos filmes de terror mais lucrativos da história. O Exorcista, baseado em um livro de mesmo nome, do autor William Peter Blatty (produtor e roteirista do filme), publicado em 1971, foi o primeiro filme a retratar um exorcismo e o primeiro filme de terror baseado em história real (um garoto de 14 anos, em 1949, nos Estados Unidos).

Por esses e outros fatores, O Exorcista foi a primeira produção do gênero a ser indicada ao Oscar de Melhor Filme, sendo ainda contemplado com outras oito indicações, ganhando duas: melhor roteiro adaptado e melhor som. O filme ainda foi indicado ao BAFTA de melhor som, e também esteve na importante premiação Globo de Ouro, onde ganhou quatro estatuetas: melhor filme – drama, melhor diretor, melhor atriz coadjuvante para Linda Blair, e melhor roteiro. Sendo considerado um marco na história do cinema e do terror.

Se não fosse pela queda da censura, não seria possível a produção desse filme, pois havia relatos de pessoas que passavam mal na sessão de cinema e saiam às pressas e tantos outros que criticavam o filme por ser “repugnante demais”. Mesmo assim, as filas avançavam pelos quarteirões e a mídia explorava à fundo os boatos dos bastidores sobre a tumultuada produção, em que afirmavam que o diretor William Friedkin dava tiros para cima sem aviso prévio, deixando todos assustados e em estado de tensão. Também diziam que um freezer foi acoplado no set de filmagens, juntamente com vários ares-condicionados o que deixava o local extremamente gélido, numa busca do diretor pelo clima ideal de filmagem. A dubladora da “voz de demônio” alegou ter fumado cerca de seis maços de cigarro por dia, além de ingerido ovos crus e maçãs defumadas. Durante as filmagens nove pessoas morreram em circunstâncias estranhas, vítimas de quedas, assaltos e doenças, além de locações que sofreram incêndio. O que causou boatos de o set ser amaldiçoado.

Na minha opinião, os personagens mais interessantes de serem analisados são os padres. Diferentemente da visão da época, os padres nesse filme são vistos com ambiguidade, pois usam bebidas alcoólicas, drogas e questionam sobre a própria fé, sendo retratados como humanos, imperfeitos, seres que possuem dúvidas e pecados. Friedkin afirma que inicialmente o objetivo do filme não era ser assustador e sim questionar sobre o mistério da fé.

Nesse filme, as personagens são colocadas à prova diversas vezes. A estrutura familiar é retratada, como em vários filmes do período, apontando uma questão bastante curiosa: por que o demônio resolve assustar um lar onde um dos problemas que perturbam a “possuída” é a ausência do pai, distante por causa do divórcio?

A fotografia do filme escurece com o avanço da possessão, assim como a aparência das personagens tornam-se decadentes ao longo da trama. Outro efeito importante utilizado é a sobreposição de imagens de “demônios” em certas cenas do filme. Outra imagem perversa que causa certo impacto por ser explícitas demais, é a cena em que Regan fere a própria vagina com um crucifixo. A trilha sonora do filme também ganha destaque por usar sons de porcos e vacas sendo levados para o abate para deixar o som da possessão mais vívido. O que gera algumas teorias, pois a figura dos porcos é, muitas vezes, vista como uma manifestação do demônio em diversas religiões.

O Exorcista traz à tona um tipo de medo mais sutil, diferente de Tubarão, por exemplo: o terror espiritual. Em que a inocência é convertida pelo mal.

Muitos outros filmes, até os dias de hoje, tentam sem sucesso copiar o estilo que esse clássico inaugurou. Os demonologistas Ed e Lorraine Warren documentaram um caso, em 1977, muito semelhante ao retratado no filme. Caso este que inspirou, em 2016, Invocação do Mal 2.

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